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Nossa Senhora da Cabeça

 

(Andújar - Espanha)

(1227)

 

Nas fraldas da serra Morena, em Andaluzia, acha-se a cidade de Andújar, a três léguas do pico mais alto, denominado Cabeça.

As terras que ficam entre a cidade e os montes são fertilíssimas, motivo pelo qual vinham de longe os criadores de gado e ali se estabeleciam com seus parcos haveres, que consistiam em meia dúzia de bois e alguns carneiros.

Entre os pastores havia um natural de Granada, João Alonso de Rivas, filho de cristãos cativos, que conseguira escapar à tirania dos mouros, depois de ter perdido o braço direito.

Corria o ano de 1227. João de Rivas, jovem piedoso e muito devoto da Mãe de Deus, costumava passar largas horas em oração entre aqueles penhascos, enquanto pastavam tranqüilamente suas ovelhas.

Várias vezes, ouvira ele o toque de uma campainha, o qual parecia vir do alto das montanhas, porém, julgando fosse imaginação sua, visto serem inabitados aqueles montes, João seguia seu caminho sem lhe dar mais atenção. Outras vezes, porém, quando ouvia à tardinha o misterioso som, tomava-se de súbito terror e apressado se recolhia à pobre palhoça em que habitava, benzendo-se e encomendando-se à Virgem.

Uma noite (12 de agosto), ouvindo mais distintamente o som que tanto o impressionava, o pastor pôs-se a cismar à porta de sua cabana, fazendo mil conjeturas sobre aquele mistério, quando de repente seus olhos deparam com um brilhante luzeiro no cimo do monte Cabeça.

Sem pensar no que fazia, João deitou a correr naquela direção e, passando por entre espinheiros e capinzais, só se deteve quando, ofuscado pela luz, foi obrigado a fechar os olhos, ficando algum tempo sem coragem de abrí-los. Entretanto a campainha soava lentamente à entrada de uma gruta, de onde partiam os raios luminosos. E o pastor, imóvel, não podia afastar-se daquelas chamas que o atraíam! Seu coração batia com violência, parecendo anunciar-lhe uma alegria inefável...

Finalmente, sentindo que algo de divino havia naquela luz que o atraía, João teve remorsos do seu supersticioso temor e resoluto meteu-se pela fogueira, que ardia sem fazer fumaça e sem queimar coisa alguma. Então o ditoso pastor, extasiado, viu, sobre as rochas que lhe serviam de pedestal, uma belíssima imagem de Nossa Senhora, diante da qual caiu de joelhos, permanecendo em êxtase durante muito tempo.

Presa a um galho, ao lado da santa imagem, a campainha continuava a bater, sem que ninguém a tocasse!

Conservando-se em sua humilde postura, João levantou os olhos e, dirigindo-se à Mãe de Deus, assim lhe falou: “Pois fostes vós, ó minha Mãe, que me atraístes à vossa presença para divulgar os vossos desígnios?! Se assim é, dizei-me o que devo fazer, e a vossa vontade será cumprida”.

E uma voz dulcíssima, que parecia vir do céu, falou-lhe assim: “Não temas, servo de Deus... Vai à cidade de Andújar e dize a quantos encontrares que chegou o tempo de cumprir-se a vontade de Deus, fazendo erigir neste lugar um templo, onde se hão de operar grandes prodígios em favor dos crentes”.

João prometeu a Nossa Senhora fazer tudo quanto ela ordenava, e desde logo resolveu que as primeiras pedras do templo as daria ele, com o produto da venda de seu rebanho, que era tudo quanto possuía. Mas ainda hesitava, receando que os habitantes de Andújar o tomassem por  visionário ou impostor.

A Virgem Santíssima volveu então: “Vai, cristão venturoso: o testemunho das tuas palavras será o teu braço direito perdido, que eu te restituo”. E imediatamente João viu seu braço direito perfeitamente são, como se nunca o houvesse perdido!

Ante esse milagre espantoso, o pastor caiu em êxtase e só voltou a si quando o dia já clareava, certificando-se que tudo aquilo não fora sonho, louco de júbilo deitou a correr o caminho de Andújar, onde o povo, vendo-o curado, encheu-se de entusiasmo. Num verdadeiro delírio, partiram os habitantes da cidade para o monte Cabeça, a fim de ver a sagrada imagem. Horas depois, tendo a sua frente o pároco e as autoridades do lugar, conduziram-na triunfalmente em procissão, aclamando-a padroeira da cidade, sob a invocação de Nossa Senhora da Cabeça. 

O pedido da Mãe de Deus foi satisfeito, tendo sido construído um belíssimo santuário para o qual contribuíram todos os habitantes de Andújar e das cidades circunvizinhas. Tendo sido esta uma empresa difícil, eis que, depois de muito tempo de trabalho e sacrifícios, viram coroados os seus perseverantes esforços, e desde então é digno de ver-se encimando aquelas escabrosas e quase inacessíveis montanhas, um majestoso templo, que pela solidão e altura onde fica parece mostrar-se aos homens como um laço de união entre a humanidade sofredora e a misericórdia divina! 

Segundo dados históricos de abalizados autores, extraídos do Manual da Confraria de Nossa Senhora da Cabeça, ereta na catedral do Rio de Janeiro, esta imagem foi levada para a mais escarpada montanha da Serra Morena pelos cristãos apavorados com as cruéis perseguições dos mouros. Na gruta onde a ocultaram puseram uma campainha como indício de sua origem, e tão bem cobriram a gruta com paus, arbustos e folhagens, que ninguém jamais lhe suspeitara a existência até o dia em que a própria Virgem Maria se manifestou ao ditoso pastor João de Rivas.

Os prodígios e milagres que desde então se operaram por intercessão de Nossa Senhora da Cabeça, multiplicando-se ainda em nossos dias, tornaram célebre em todo o universo essa imagem bendita, cuja feitura é atribuída, pelas mais antigas tradições, ao apóstolo São Lucas, sendo em tudo semelhante à que se venera perto de Roma, na igreja da Santa Casa de Loreto.

Do título Nossa Senhora da Cabeça nasceu o costume de invocá-la especialmente contra os males físicos e morais que atacam a cabeça, costume mais generalizado ainda depois do seguinte prodígio: um nobre condenado à pena de morte fez o voto de ir, se a Virgem o salvasse, depositar uma cabeça de cera aos pés da sagrada imagem, a fim de perpetuar o milagre, e já no momento da execução a multidão em delírio viu chegar a galope um mensageiro do rei, trazendo a graça do condenado.

O feliz agraciado cumpriu seu voto, e é em recordação de tão extraordinário acontecimento que daí por diante, nos santuários dedicados a Nossa Senhora da Cabeça, representa-se a Santíssima Virgem trazendo nas mãos uma cabeça.


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Sexta-feira, 26 de Abril de 2024










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