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Nossa Senhora de Atocha (Madrid - Espanha)

 

No século V, devido ao grande triunfo obtido pela Igreja contra a heresia de Nestório no Concílio Geral de Éfeso, uma imagem foi esculpida por mãos espanholas, sendo gravada em seu pedestal a palavra grega “Theotokos”, que significa “Mãe de Deus”, como prova do júbilo que havia produzido na Espanha a declaração da divina maternidade feita pelo concílio. Entretanto, há quem afirme que esta imagem é ainda mais antiga, tendo sido esculpida, ou ao menos pintada, pelo evangelista São Lucas. Dizem, ainda, que a imagem é uma das que foram levadas em procissão pelas ruas de Roma pelo Papa São Gregório Magno, por ocasião da peste que assolou a cidade durante o seu pontificado.

Os defensores dessa opinião dizem que a imagem foi levada para Toledo pelos primeiros discípulos de Jesus Cristo, e de lá transladada até o local em que se edificou Madrid, erigindo-se em sua honra uma ermida no lugar chamado da Veja, um dos primeiros onde recebeu culto a Rainha dos Céus, depois de Saragoza.

Referem as crônicas que, entre os devotos à imagem em Madrid, um a venerava de modo singular. Chamava-se Gracián Ramirez. Sendo surpreendido em Madrid pela irrupção dos mouros e não podendo resistir, por falta de meios, a tão ominosa dominação, Gracián resignou-se a viver sob o jugo dos opressores, porém com a intenção de se levantar contra eles logo que lhes fosse possível.

Enquanto não se oferecia essa ocasião, Gracián visitava diariamente a ermida na qual a sagrada imagem da Virgem continuava recebendo o culto dos fiéis, uma vez que os maometanos, nos primeiros tempos de sua dominação, com o fim de congraçar-se com os espanhóis e assim afrouxar sua resistência, afetavam certa tolerância no que se referia às práticas do culto cristão, contanto que não ultrapassasse os limites do templo. Logo, porém, que se firmava o poder muçulmano, aquela tolerância se convertia, como aconteceu muitas vezes, em sangrenta perseguição contra quantos professassem a fé de Cristo.

Certo dia, ao visitar a ermida de Nossa Senhora, a fim de praticar suas costumeiras devoções ante a veneranda imagem, Gracián viu que esta havia desaparecido do altar, sem que nenhuma das pessoas a quem se dirigiu pudesse lhe dar notícias dela. Primeiramente, pensou que algum cristão a tivesse ocultado para evitar uma possível profanação por parte dos mouros, mas todos os espanhóis a quem consultou declararam que não haviam ousado se apoderar da imagem e deploravam o acontecido, pois tudo induzia a crer que os mouros tinham entrado na ermida e roubado a imagem com fins sacrílegos. Mas as investigações que Ramirez fez entre os mouros também não lançaram nenhuma luz sobre o caso.

Triste, sem saber a que atribuir o desaparecimento da imagem, pôs-se Gracián a procurá-la pelo campo, recomendando com grande fervor à excelsa Senhora as suas buscas. Atendendo-o a Mãe de Deus, eis que afinal encontra a imagem oculta em um campo de esparto (planta da família das gramíneas). Louco de alegria, quis levá-la novamente para a sua ermida, porém foi impossível removê-la dali! Gracián convenceu-se então de que a Virgem Maria desejava que sua imagem recebesse culto naquele lugar, e não onde estava sua primeira ermida. Com esta convicção, dirigiu-se a seus parentes e amigos, aos quais se juntaram muitos outros cristãos, e juntos decidiram edificar uma nova ermida. Muniram-se de todo tipo de materiais de construção, e em grande número se dirigiram para o lugar escolhido pela Santíssima Virgem para seu santuário.

Aquela aglomeração de cristãos e os trabalhos de alvenaria em que estavam ocupados levaram os mouros a suspeitar de que se levantava um forte para hostilizá-los, apoiando dali algum assalto ao povoado.

Com essa idéia, o wali que comandava a povoação pôs em pé de guerra vários de seus esquadrões. Quando Gracián viu sobre ele e sua gente aquela avalanche de infiéis, o primeiro pensamento que lhe ocorreu foi que a mulher e a filha, que estavam em sua companhia naquela ocasião, seriam vítimas dos mais infames ultrajes por parte daqueles infiéis, e que só com a morte podiam livrar-se deles.

Seria horrível para ele converter-se em verdugo de sua própria família, mas, considerando preferível morrer com honra a viver sem ela, desembainhou a espada e, depois de recomendar à mulher e à filha que se encomendassem brevemente a Deus por intercessão da Santíssima Virgem, decapitou-as e ficou esperando que chegassem os mouros e dessem fim a sua vida; porém estava resolvido a vendê-la tão caro quanto pudesse, pois sua intenção era matar o maior número de infiéis possível.

Do mesmo modo pensaram os cristãos que estavam com ele, e de tal modo se bateram com os mouros que os puseram em fuga. Em seguida, entraram em Madrid, onde, auxiliados por outros cristãos, fizeram dos muçulmanos uma grande carnificina, apoderando-se da vila e expulsando os sobreviventes daquele grande desastre.

Indescritível foi o júbilo dos cristãos por essa inesperada vitória, que com fundamento atribuíram a uma especial proteção da Virgem Maria.

A imagem de Nossa Senhora recebeu naquele momento o nome de “Atocha”, que significa “esparto”, sendo as obras da nova ermida terminadas como prova de gratidão devida a Nossa Senhora pelo grande benefício que por sua intercessão haviam recebido.

Mas, em meio a tanta alegria, Gracián se achava triste e aflito por causa do sacrifício da mulher e da filha. Como bom cristão e nobre espanhol, alegrava-se com o triunfo conseguido por mediação da Virgem Santíssima, e para ele contribuíra com o valor e esforço de seu braço. Porém, enquanto seus companheiros se espalhavam pela vila, atroando-a com seus gritos de júbilo, ele se dirigiu para o lugar onde estava a imagem, junto à ermida em construção, para desafogar aos pés de sua Mãe celeste a dor que lhe oprimia a alma. Mas... quem poderá descrever seu pasmo ante o espetáculo que se ofereceu a seus olhos?!...

Diante da imagem de Nossa Senhora estavam ajoelhadas a mulher e a filha, vivas e sãs, e sem outro sinal de sua decapitação a não ser um fio roxo que, à maneira de purpurino colar, lhes rodeava o pescoço.

Quedando imóvel, como se fosse vítima de alguma ilusão, foi mister que as duas lhe falassem para convencer-se de que, por um milagre obrado por Deus a instâncias da sempre Virgem Maria, lhes haviam sido devolvidos aqueles seres queridos.

A tradição situa esse terno episódio no quarto ano depois da invasão da Espanha pelos mouros.

A devoção a Nossa Senhora de Atocha foi sempre crescendo e estabelecendo-se sobre sólidas bases, e, quando o rei Afonso VI tomou Madrid definitivamente, a veneranda imagem começou a ser objeto de culto especial, não só pelas classes populares, mas também pelas mais elevadas, e particularmente por todos os monarcas da Espanha, os quais a tomaram por sua padroeira e advogada, sendo o seu santuário o primeiro templo que visitavam ao fazer sua entrada em Madrid.

Do tempo do imperador Carlos V data a transformação do antigo santuário de Nossa Senhora de Atocha em um suntuoso templo.    


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Terça-feira, 23 de Abril de 2024










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