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Filósofos e neurocientistas unem forças para ver se a ciência pode resolver o mistério do livre arbítrio

 

Um novo programa de pesquisa sobre livre arbítrio une neurocientistas e filósofos. 

Os neurocientistas entraram nesse campo com otimismo na década de 1980, armados com ferramentas que estavam confiantes que poderiam revelar a origem das ações no cérebro. Três décadas depois, chegaram à mesma conclusão dos filósofos: o livre arbítrio é complicado. Agora, um novo programa de pesquisa, abrangendo 17 universidades e apoiado por mais de US$ 7 milhões de duas fundações privadas, espera romper o impasse, reunindo neurocientistas e filósofos. A colaboração, dizem os pesquisadores, pode ajudá-los a abordar duas questões importantes: O que é preciso para ter livre arbítrio? E o que quer que seja, nós temos isso?

O primeiro e mais famoso encontro da neurociência sobre o livre arbítrio ocorreu em 1983, quando o fisiologista Benjamin Libet fez uma descoberta peculiar. Um sinal cerebral chamado potencial de prontidão era conhecido por preceder ações auto iniciadas, como levantar uma mão ou tocar com um dedo espontaneamente. Libet descobriu que o potencial de prontidão começa a aumentar antes que as pessoas relatem que estão cientes de sua decisão de agir. Muitos tomaram isso como um desafio à existência do livre arbítrio. Mas estudos subsequentes argumentaram que essa era uma interpretação falha e que os resultados diziam pouco sobre o livre-arbítrio.

Os oito neurocientistas e nove filósofos envolvidos no novo programa se comprometem a fazer melhor desta vez, fazendo perguntas mais precisas e projetando experimentos filosoficamente informados. Com a doação de quatro anos da John Templeton Foundationem West Conshohocken, Pensilvânia (EUA), e do Instituto Fetzer em Kalamazoo, Michigan, a equipe planeja estudar como o cérebro possibilita o controle consciente de decisões e ações. No geral, espera-se estabelecer um novo campo no estudo do cérebro: a neurofilosofia do livre-arbítrio.

n/d Recentemente, como parte do lançamento do programa, 90 pesquisadores de 40 universidades reuniram-se na Conferência Internacional sobre a Neurociência do Livre Arbítrio, realizada no Brain Institute da Universidade de Chapman em Irvine, Califórnia, EUA. A Science falou com o líder do projeto, Uri Maoz, um psicólogo e neurocientista computacional da Chapman, sobre como o novo esforço visa mudar o futuro da pesquisa do livre arbítrio:

P: Os cientistas estudam o livre arbítrio há mais de três décadas. Eles fizeram algum progresso?

R: O estudo de Libet foi o trabalho que gerou mil artigos e deu início ao campo de estudo. Mas houve muitas críticas contra as descobertas de Libet. Acho que o que os cientistas individuais fizeram desde então foi tentar eliminar algumas das críticas. Eles tentaram responder a perguntas tais como: a atividade cerebral apenas prediz quando você vai mover uma mão ou pode prever qual mão você move? O quão antecipadamente você pode ver o sinal? Esses primeiros sinais preditivos significam que a decisão foi tomada com vários segundos de antecedência? Ou é algum tipo de atividade que distorce a decisão? 

Então, eu diria que dois tipos de progresso foram feitos. Um é que tentamos elucidar quais das reivindicações feitas no artigo original são válidas, o que é replicado e o que não funciona. Em segundo lugar, sabemos agora que a questão é muito mais complexa e diferenciada. Essa é uma das razões pelas quais precisamos de nossos colegas filósofos. Eles vêm pensando [sobre o livre arbítrio] por muitos anos.

P: Como surgiu o novo programa de pesquisa?

R: É uma história engraçada. Há três anos, o cientista sueco, Hans Liljenström, me abordou sobre a organização de uma conferência sobre o livre-arbítrio. Eu achei que foi uma ótima ideia, porque apesar de alguns laboratórios trabalharem no assunto, nunca houve uma conferência sobre a neurociência e a filosofia do livre-arbítrio. O financiamento foi confirmado muito tarde, apenas cerca de dois meses antes da data da conferência. No entanto, quase todos que eu convidei encontraram uma maneira de sair de sua agenda lotada para chegar à Suécia para a reunião. Ficou claro para mim que havia muito entusiasmo no campo. E então, como parte dessa conferência, fomos em um cruzeiro de camarão. É uma atividade sueca popular, onde você recebe tigelas e mais de tigelas de camarão para descascar e comer. 

Em um determinado momento, quando estávamos naquele barco, alguém veio e me disse: “Você percebe que se este barco afundar, o campo da neurociência do livre-arbítrio vai afundar com ele?” Quase todo mundo estava lá. E isso meio que trouxe a ideia de que, dado tanto entusiasmo, o que poderia ocorrer se abordássemos uma das agências de financiamento, para tentar ver se podemos ter um projeto conjunto com neurocientistas e filósofos?

P: Os dois campos já colaboraram antes?

R: Anteriormente, diferentes grupos de filósofos e neurocientistas trabalhavam separadamente e uma vez por ano se encontravam e diziam uns aos outros o que estavam fazendo. Foi bom começar a fazer com que as pessoas se interessassem pelo livre arbítrio, mas agora passamos disso. Agora, podemos começar a trabalhar juntos em vez de cada grupo em seus próprios silos.

P: Como seria uma colaboração entre filósofos e neurocientistas?

R: É parte dessa concessão que todo projeto tenha pelo menos dois neurocientistas e um filósofo envolvido. Está escrito no contrato. O que eu espero que os filósofos façam, não é sentar e analisar os dados. O que eu espero obter deles é, primeiro ajudar a decidir quais são as perguntas certas a serem feitas. O que investigar não é uma questão científica. É uma questão teórica ou filosófica. Então, se concordarmos com a questão, como projetaremos o experimento que responderia exatamente a essa pergunta? Então, uma vez que o experimento é feito, eles ajudam a interpretar o significado dos resultados e a produzir publicações conjuntas. 

Por fim, gostaríamos de chegar a duas perguntas. Uma é, o que é necessário para as pessoas terem livre arbítrio? Essa é uma questão filosófica que nossos colegas filósofos devem chegar a um acordo. Como cientista, não sei o que significa ter livre arbítrio. Então há a segunda pergunta, que é, o que quer que seja essa coisa necessária para o livre arbítrio, nós temos? Os humanos possuem isso? Esta é uma questão empírica. Pode ser que eu não tenha a tecnologia para medir isso, mas isso é pelo menos uma pergunta empírica que eu poderia fazer.

P: Quais perguntas você está fazendo?

R: O importante é que agora estamos tentando ir além dos experimentos do tipo Libet. Em vez de perguntarmos se temos livre arbítrio, estamos tentando chegar às questões mais sutis e melhor definidas. Como o cérebro permite o controle causal consciente de nossas ações e decisões? Como nossas intenções conscientes levam às ações? 

Uma terceira questão é sobre ações intencionais. Tentamos ver se os resultados desses experimentos do tipo Libet [envolvendo levantar as mãos ou mover os dedos], generalizam para decisões mais deliberadas, que os filósofos diriam que são mais pertinentes à responsabilidade moral. Essas são aquelas com as quais nos importamos. Quem o(a) levaria ao tribunal, para levantar sua mão direita e não sua esquerda, sem razão e sem propósito? Não faz sentido. Então, o fato de eu poder prever isso com base em algum sinal de quebra de simetria em seu cérebro … bem, eu também posso [prever suas ações] se você se depara com uma situação moralmente carregada? 
Digamos, tem um carro que está pegando fogo e um bebê está dentro. Você vai correr para o carro, mesmo que ele possa explodir, ou você vai ficar parado? Esses são os tipos de decisões que acho que seria interessante investigar. É claro que não vamos criar esse tipo de cenário horrível, mas as coisas que imitam esses tipos de decisões, são o que estamos tentando analisar.

P: O que você quer dizer quando diz que espera que isso crie um novo campo de neurofilosofia do livre arbítrio?

R: Não afirmo que, nenhuma pesquisa foi feita sobre isso antes, mas o que estou tentando fazer é reunir as pessoas mais formalmente e tentar pensar o que um campo exige. Isto requer conferências, por exemplo, em que as pessoas se reúnem de vez em quando para falar especificamente sobre o assunto, em vez de se reunirem à margem de outra conferência, sobre visão, tomada de decisão ou consciência, para falar sobre o livre-arbítrio. Tentamos pensar em maneiras de envolver os alunos como parceiros iguais. Tivemos uma sessão liderada por estudantes nesta conferência, por exemplo. Precisamos animar os mais jovens com isso. Caso contrário, o campo fica estagnado e desaparece. E é uma boa ideia que os alunos sejam treinados no campo por neurocientistas e filósofos desde o início.

P: Por que precisamos estudar o livre arbítrio? E o que podemos encontrar, tem aplicações práticas em neurologia e direito?

R: Como eu sempre digo, a primeira coisa sobre como fazer ciência básica é que você deve querer satisfazer a curiosidade humana, porque nunca sabemos quais aplicações podem existir em 10 anos, sobre as quais não pensamos agora. Portanto, há valor em se fazer ciência básica por si mesma. 

Segundo, pode muito bem acontecer que a neurociência não seja capaz de nos dizer completamente se existe ou não o livre-arbítrio. Mas acho que estudar é importante porque nos ensina sobre processos no cérebro e como as coisas, como a volição, acontecem. Isso tem implicações para o sistema legal, por exemplo, que distingue entre ações voluntárias e involuntárias. Pode também ter implicações para distúrbios motores, como a doença de Parkinson, em que as pessoas têm dificuldades com os movimentos autoiniciados. 

Se entendermos mais sobre como o cérebro produz movimentos auto-iniciados, poderemos adicionar outra camada à pesquisa de Parkinson. Eu diria que, quanto mais entendermos sobre o cérebro, melhor podemos nos sair em muitas áreas.

 

Fonte: http://otimundo.com/filosofos-e-neurocientistas-unem-forcas-para-ver-se-a-ciencia-pode-resolver-o-misterio-do-livre-arbitrio/

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Sexta-feira, 29 de Março de 2024










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