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Nossa Senhora de Beauraing (Bélgica)

(1932)

 

O reino da Bélgica sempre foi uma nação bem governada. Adotou a neutralidade na guerra e depressa se industrializou. Logo liderou o continente na expansão de estradas de ferro, mineração carbonífera e engenharia. Entretanto, havia desordens políticas, acompanhadas de agitação trabalhista e da ascensão do partido socialista em oposição a grupos conservadores e clericais.

Alberto I subiu ao trono em 1909. As condições sociais melhoraram sob Alberto, mas, em 1914, a fim de atacar a França pelo caminho mais fácil, a Alemanha invadiu e ocupou a Bélgica, menosprezando de maneira escandalosa sua neutralidade. Durante a Primeira Grande Guerra, os belgas foram submetidos a terríveis atrocidades alemãs – pelas quais passariam novamente durante a Segunda Grande Guerra.

O período 1932 – 1933 viu a ascensão ao poder de Adolf Hitler. Em 1932, aos 57 anos de idade, Alberto I ainda estava no trono. Ninguém jamais espera uma aparição da Mãe Santíssima. Mesmo assim, os belgas ficaram surpresos ao experimentar não só uma, mas duas, em rápida sucessão. 

Em 1932, o povoado de Beauraing era descrito como “lugar desinteressante, de que pouca gente ouviu falar”. Nem sequer aparecia em muitos mapas. Assim, as centenas de milhares de pessoas que ficaram sabendo da maravilhosa aparição tiveram primeiro de descobrir onde ficava Beauraing e depois viajar de automóvel para lá em estradas precárias, ou a cavalo, de carroça ou pelas próprias pernas.

Porém, logo Beauraing apareceu em mapas impressos às pressas – 50 quilômetros ao sul de Namur e uns dez a leste da fronteira entre a França e a Bélgica. Beauraing fica na região das Ardenas, planalto cortado por fortes penhascos, desfiladeiros e rios turbulentos. Em 1932, ainda era escassamente povoado. Nessa época, a área sofria com a Depressão. A região, em especial o vale do Meuse, é um campo de batalha tradicional e as Ardenas viram pesados combates nas duas Grandes Guerras.

As irmãs Andreia e Gilberta Degeimbre, de 14 e 9 anos respectivamente, e outros três irmãos, Fernanda, Alberto e Gilberta Voisin, de 15, 11 e 7 anos.As irmãs Andreia e Gilberta Degeimbre, de 14 e 9 anos respectivamente, e outros três irmãos, Fernanda, Alberto e Gilberta Voisin, de 15, 11 e 7 anos.

Quando o trabalho na estrada de ferro permitia, o pai da jovem Gilberte Voisin costumava trazê-la para casa depois das aulas na escola do convento, passando um pouco das seis horas. Mas quando estava ocupado, a irmã e o irmão dela iam buscá-la e, em 29 de novembro de 1932, uma terça-feira, esses dois estavam também acompanhados das irmãs da família Degeimbre.

A escola do convento das Irmãs da Doutrina Cristã ficava em uma estrada nos arredores do povoado e bem perto de um aterro da ferrovia ao longo do qual trens resfolegavam de um lado para o outro. Entre a estrada e a porta do convento havia um espaço “nada grande”, circundado por algumas árvores desiguais. Em um canto desse espaço, onde uma cerca separava o convento da estrada, fora colocado um pequeno santuário de Nossa Senhora de Lourdes, que continha uma pequena imagem de gesso, do tipo geralmente familiar. Esse pequeno santuário era chamado de “gruta”.

Eram umas seis e meia e já estava escuro, quando as quatro crianças tocaram a campainha do convento para buscar Gilberte Voisin. Enquanto os quatro esperavam que as freiras trouxessem Gilberte, Albert Voisin olhou, por acaso, na direção da “gruta” onde viu “algo vagamente luminoso” e parece ter ficado assustado.

As outras três crianças também viram a “radiância” e também se assustaram. Quando Gilberte Voisin saiu do convento, também ela viu a luminosidade e se assustou. Logo a seguir, desviaram o olhar do fulgor inexplicável e voltaram para casa “inquietos”. Não se sabe se, a esta altura, contaram sobre a experiência a alguém. Mas, na quarta-feira, e de novo na quinta, quando vieram buscar Gilberte na mesma hora todos tiveram a mesma experiência. Quinta-feira foi 1º de dezembro e, nessa data, a alegre notícia da luminosidade no pequeno santuário de Nossa Senhora de Lourdes foi, evidentemente, transmitida à senhora Degeimbre, que estava em casa com alguns parentes e vizinhos.

A senhora Degeimbre e os outros se dirigiram ao convento para ver o que tudo isso significava e deixaram para trás as duas meninas mais novas. A Senhora mais uma vez mostrou-se às três crianças, Fernande e Albert Voisin e Andrée Degeimbre, que caíram de joelhos e rezaram uma ave-maria. A senhora Degeimbre e os outros adultos não viram nada. Por isso, a senhora Degeimbre abriu caminho até a gruta, e então sua filha Andrée exclamou: “Mamãe! Não dê mais nem um passo! Você está bem em cima dela!”  Parece que nesse momento a aparição sumiu.

Gilberte Voisin foi à escola na sexta-feira, mas desta vez o próprio pai foi buscá-la. Mais tarde, as cinco crianças e um grupo de adultos voltaram ao santuário, onde as cinco “foram simultâneamente dominadas pela mesma impressão”. As cinco, agora em uma espécie de transe ou êxtase, caíram de joelhos repetindo a ave-maria em voz alta, o que serviu para causar consternação entre os adultos.

Em 2 de dezembro, a figura ficou imóvel e foi possível reconhecê-la como uma “linda Senhora”. Nesse dia, depois que as crianças rezaram a ave-maria, Albert Voisin perguntou de repente: “A senhora é, realmente, a Virgem Imaculada?”. A Senhora assentiu com a cabeça. Albert então perguntou: “O que deseja que façamos?” A Senhora respondeu: “Quero que sejam muito bons”.

Após a aparição sumir, o grupo voltou à gruta lá pelas nove horas, mas agora com mais vizinhos. Nessa segunda visita, a mesma cena se repetiu, exceto que foi a pequena Andrée Degeimbre quem recebeu o pedido para ser boa.

No domingo, 4 de dezembro, as cinco crianças voltaram à gruta, desta vez com um velho cego e uma outra criança da idade delas, que era aleijada. Quando a aparição surgiu, Albert, aparentemente o porta-voz principal, pediu à Virgem que curasse os dois. Depois, sem esperar pelas curas e, obviamente, familiarizado com as rotinas empregadas durante as aparições de Lourdes e Fátima, perguntou: “Quando devemos voltar?” A Senhora respondeu: “No dia da Imaculada Conceição”.

Fernande Voisin, a mais velha das crianças, perguntou: “Precisamos conseguir a construção de uma capela para a senhora?” “Sim”, respondeu a Senhora antes de desaparecer.

Na segunda-feira, 5 de dezembro, a aparição foi vista novamente, mas quando Albert pediu à Senhora para fazer milagres, ela não lhe deu atenção. Quando ele repetiu o pedido, este foi novamente ignorado, e as crianças desataram a chorar. Mas quando Albert perguntou quando deveriam voltar, a resposta foi: “Á noitinha.”

Á noite, a Senhora voltou a aparecer, bem como duas outras vezes na terça-feira, 6 de dezembro, reiterando o pedido para que viessem na festa da Imaculada Conceição, 8 de dezembro, quinta-feira da mesma semana.

Terça-feira, 6 de dezembro, fazia apenas sete dias que as aparições haviam se iniciado em Beauraing, mas já causavam considerável sensação. Grupos cada vez maiores reuniam-se ao redor do convento para estarem presentes quando as crianças viessem e os jornais já haviam enviado repórteres. A notícia começou a circular principalmente nas revistas católicas da Bélgica. Toda a nação logo ficou sabendo da aparição e os belgas de toda parte procuravam localizar Beauraing no mapa.

A essa altura, as famílias Voisin e Degeimbre, seus vizinhos e os habitantes de Beauraing eram assediados com pedidos de entrevistas. Nas entrevistas à imprensa, Fernande e Albert Voisin disseram que a Senhora (às vezes mencionada como “A Virgem”) não parecia, de modo algum, uma mulher adulta, mas só tinha cerca de um metro de altura. Sua face era jovem e as vestes luminosas e brancas, com tons azulados. Ela não usava “nenhuma faixa azul” (sempre vista em imagens contemporâneas que representavam a Virgem), mas tinha olhos azuis. O cabelo estava oculto por um véu branco. Os pés não eram visíveis.

Em 8 de dezembro, festa da Imaculada Conceição, estava presente uma grande multidão, calculada em dez mil pessoas. Quando a aparição mostrou-se às crianças no dia da festa da Imaculada Conceição, todas elas caíram de joelhos e entraram em êxtase. Diversos “colegas médicos” presentes, a pedido de certo doutor Maistriaux, examinaram-nas fisicamente. Fósforos acesos foram aplicados às mãos de dois dos jovens videntes, todos foram “beliscados com força”  e um “colega médico” pegou um canivete afiado e aplicou-o com força em suas faces. Esses testes não produziram reação de qualquer espécie e quando as “partes afetadas” foram examinadas depois da aparição, não se encontrou nem um leve sinal de ferimento.

A aparição na festa da Imaculada Conceição não foi diferente das que a precederam, só que chegou antes, durou mais tempo e era mais brilhante. Os principais aspectos novos eram as aglomerações imensas e a intervenção de médicos. Nos quatro dias que se seguiram à aparição da festa da Imaculada Conceição, as crianças, acompanhadas de multidões ainda maiores, foram rezar o terço na gruta, mas a aparição não se fez presente. Nos outros dias de dezembro, a Senhora apareceu só raras vezes.

Em 17 de dezembro, as crianças foram ouvidas enquanto conversavam com a Senhora. Aparentemente em uníssono, elas disseram: “A pedido do clero, nós lhe perguntamos: o que deseja de nós?” Depois falaram: “Sim, faremos com que seja construída aqui”. Em 23 de dezembro, em resposta a outra pergunta sobre o novo santuário, a Senhora respondeu: “Para que as pessoas se reúnam aqui em romaria”. Na véspera do Natal, o que aconteceu em Beauraing foi assistido por pelo menos seis mil pessoas. Nessa ocasião, as crianças fizeram veemente apelo para que Nossa Senhora desse uma prova tangível, pela cura dos pobres sofredores que estavam presentes. Essa aparição foi breve e a Senhora pareceu ignorar os pedidos de cura. Depois disso, às vezes algumas das crianças não viam a aparição e Albert sofreu essa privação pelo menos em três ocasiões. Em algum momento depois disso, a Virgem deu a entender que as visões estavam chegando ao fim.

Segunda-feira, 2de janeiro de 1933, a Senhora disse: “Amanhã, vou comunicar uma coisa a cada um de vocês em particular.”

A aparição de 3 de janeiro de 1933 é conhecida como o “encontro da despedida”, durante o qual as mensagens particulares podem ter sido transmitidas. Fernande Voisin não viu a primeira parte da aparição e só ouviu a palavra “Adeus”, enquanto Gilberte Degeimbre ouviu “Adeus” e depois “Vou converter os pecadores”. Albert Voisin declarou que Nossa Senhora lhe falou algo que ele não devia repetir e, provavelmente, ele não o fez, exceto para dizer quando interrogado: “Bem, se querem saber, (a mensagem) era um tanto desalentadora”.

Os belgas puseram-se a providenciar que o santuáriio que a Senhora pedira fosse construído no local da gruta. Para tanto, era preciso: 1) demolir a escola e o convento das Irmãs da Doutrina Cristã; 2) mudar os trilhos da estrada de ferro que corriam perto da gruta. Uma complicação adicional era o clero belga estar proibido pela autoridade eclesiástica superior de organizar romarias ao local. A proibição foi ampliada a fim de coibir solicitações e contribuições para a construção e a manutenção de um santuário. O clero foi também proibido de permitir a publicação de livros, panfletos ou artigos nos jornais, a menos que antes passassem pela censura e recebessem o imprimátur. Os jornais belgas, porém, inclusive os meios de comunicação católicos, já haviam publicado relatos freqüentes e extensos. A história da grande aparição em Beauraing agora parecia estar no fim, principalmente porque não ocorrera nenhum milagre ou cura.

Porém, no verão de 1933, houve novos acontecimentos dramáticos. Tilman Come, de 58 anos de idade, vivia no povoado de Pontaury, a uns 50 quilômetros de Beauraing. Descrito como um “digno artesão”, há seis meses estava totalmente incapacitado por uma doença da coluna vertebral diagnosticada como espondilite, que causava intenso sofrimento e já provocara uma ancilose ou endurecimento irreversível das articulações. Ele estava às portas da morte. Embora qualquer movimento provocasse uma dor excruciante, ele conseguiu convencer a esposa e ser levado de automóvel a Beauraing. Sofreu tremendamente durante a viagem na estrada esburacada, mas chegou nas proximidades do convento em 11 de junho de 1933, onde, dentro do carro, rezou algumas ave-marias. Depois de esperar certo tempo, sem sentir alívio nenhum, ele e a mulher resignaram-se a voltar a Pontaury. Mas, nesse momento, Tilman foi acometido de espasmos de dor tão intensa que sua mulher gritou: “Ele está morrendo!” O grito atraiu um grande grupo de romeiros que estremeceram de horror ao ver suas contorções de dor. Mas depois eles ficaram “atônitos e petrificados quando Tilman Come ficou ereto, saiu do carro e esticou as pernas e os braços, perfeitamente livre da dor”. Mais tarde, os médicos disseram que a convulsão foi provocada por “alguma aderência que se soltou”.

Enquanto a notícia eletrizante desta cura depressa se espalhava por todo o povoado de Beauraing, todos caíram de joelhos, inclusive Tilman Come, e fizeram orações para dar “graças sinceras”. Mas então um Tilman Come muito feliz explicou aos circunstantes que no momento da convulsão ele perdeu a consciência das coisas a sua volta e, em um breve transe, viu claramente a Mãe Santíssima que lhe sorriu bondosamente e disse que o veria amanhã.

Ao que tudo indica, Tilman Come recobrou a saúde perfeita. Na viagem de volta para casa, ele parou para assistir a uma missa em Hastière e, assim que chegou de volta a Pontaury foi a uma bênção. Na manhã seguinte, ele caminhou três quilômetros até Mettet, pegou o trem para Beauraing a fim de comparecer ao encontro com a Mãe Santíssima e, diante de uma multidão enorme e esperançosa, foi novamente favorecido com uma aparição.

Mas, desta vez, ouviu a Virgem dizer: “Vim aqui para a glória da Bélgica e para preservar esta terra do invasor. Você precisa se apressar”. Esta notícia espantosa indicava que a Bélgica seria invadida outra vez, o que parecia muito improvável, pois a neutralidade belga estava assegurada por tratados internacionais.

A notícia da cura espetacular de Tilman Come dera alento ao interesse esmorecido na aparição e, apesar das proibições para os clérigos, foi telegrafada para toda parte. Quatro dias mais tarde, Tilman estava de volta, desta vez com os videntes iniciais; as cinco crianças ouviram a Virgem repetir o pedido de “uma capela, uma grande capela”. Tilmam Come tornou-se o vidente principal em Beauraing  e viu aparições contínuas até meados de agosto de 1933. Em uma delas a Senhora disse desejar ser chamada “Nossa Senhora de Beauraing” e entregou a Tilman algumas mensagens “secretas”.

A aparição de 5 de agosto de 1933 a Tilman Come, agora descrito como “alma bondosa, mas muito exaltado”, foi acompanhada por uma multidão calculada em duzentas mil pessoas que se encheram de espanto com a demonstração. Durante esta aparição descobriu-se que a Mãe Santíssima não queria que a capela fosse construída no local da pequena gruta onde ela se revelara. Essa gruta não deveria ser tocada. A nova capela deveria ser construída no outro lado da estrada, longe dos trilhos da ferrovia, para o alívio provável das autoridades ferroviárias. A Senhora deu instruções precisas quanto ao altar da nova capela que, basicamente, foram obedecidas.

Imediatamente após essa aparição, Tilman Come foi submetido a um interrogatório de duas horas, realizado por médicos e padres. Desse inquérito, ele saiu brilhantemente incólume e mais exaltado, sob os aplausos tumultuados das duzentas mil pessoas. Depois disso, foram comunicadas mais curas. No fim de agosto de 1933, visitavam Beauraing cerca de 150 mil romeiros por dia e foram anunciadas outras curas.

Depois que foi construído um santuário temporário, 1,7 milhão de romeiros visitaram-no durante os primeiros dez meses. (Naquela época, Lourdes atraía menos de um milhão de visitantes por ano.)

Em 2 de fevereiro de 1943, durante a Segunda Guerra e a cruel ocupação alemã da Bélgica, o bispo autorizou as devoções públicas a Nossa Senhora de Beauraing. A autorização baseou-se em parte em duas curas aceitas como autênticas e atribuídas a Nossa Senhora de Beauraing. Em outro documento de 2 de julho de 1949, o bispo instruiu o clero de sua diocese a afirmar que a “Rainha do Céu” havia realmente aparecido às crianças de Beauraing. Isso permitiu finalmente a aceitação oficial de contribuições em nome dela, o que ajudou a construção do santuário que ela pedira, a magnífica basílica consagrada em 21 de agosto de 1954.

Atualmente, quase um milhão de pessoas visitam o santuário anualmente.   


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Sexta-feira, 29 de Março de 2024










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