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O SEGREDO DA VIRGEM MARIA - 2ª Parte: A verdadeira devoção à Virgem ou santa escravidão de amor

 

ESCOLHA DA VERDADEIRA E PERFEITA DEVOÇÃO 

Sem querer falar aqui das falsas, existem muito boas devoções à Virgem Santíssima.

A primeira consiste dos próprios deveres de cristãos, evitando o pecado mortal, fazendo as coisas mais por amor que por temor, rezando de quando em quando à Virgem e honrando-a como Mãe de Deus, sem nenhuma outra prática especial.

A segunda consiste em cultivar para com Maria Santíssima altos sentimentos de estima, amor, veneração e confiança: desejo ardente de fazer parte das Congregações Marianas; recitar a coroa do Santo Rosário; honrá-la e adornar as imagens e os altares de Maria; difundir os seus louvores, inscrever-se nas suas congregações. E esta devoção (desde que esteja também longe do pecado) é boa, santa e louvável; não mira diretamente porém, a destacar as almas das criaturas e de si próprias , para as unir a Jesus Cristo.

A terceira forma de ser devotos de Nossa Senhora, conhecida e praticada por muito poucas pessoas, é exatamente aquela que agora desvendarei, ó alma predestinada.

Consiste em dar-se inteiramente como escravos a Maria e por meio dela a Jesus; em fazer todas as coisas por Maria, com Maria e como Maria. Passo imediatamente a explicar-te estas palavras.

 

NATUREZA E EXTENÇÃO DA VERDADEIRA DEVOÇÃO A MARIA, CHAMADA ESCRAVIDÃO DE AMOR 

É preciso escolher um dia especial para oferecer-se, consagrar-se e sacrificar-se; e isto deve ser feito espontaneamente e por amor, sem receio algum, inteiramente e sem qualquer reserva: nem de bens externos como casa, família, ganhos, nem de bens internos da alma como os méritos, as graças, as virtudes e as satisfações.

É bom notar que com esta devoção a alma imola-se a Jesus por Maria com um sacrifício que não é exigido em nenhuma ordem religiosa: com tudo o que a alma tem de mais querido, até com o próprio direito que teria de dispor a seu bel-prazer as próprias orações e satisfações: de maneira que se põem e se deixam todas as coisas à disposição da Santíssima Virgem, que as aplicará como melhor lhe aprouver para a maior glória de Deus, que ela conhece perfeitamente.

Deixa-se à sua disposição todo o valor satisfatório e impetratório das boas almas de maneira que depois de se ter feito oblação dele, ainda que sem voto, uma pessoa já se não considera mais senhora de si própria, e a Virgem tanto o pode aplicar a uma alma do purgatório para a aliviar e libertar, como a um pobre pecador para o converter.

Também os nossos méritos são confiados com esta devoção às mãos de Maria, mas só para que no-los guarde, aumente e valorize; visto que, de per se, nem os méritos de graça nem os da glória se podem comunicar de uma para outra alma. Todavia, as orações e boas obras oferecemos-lhas para que as aplique a quem melhor entender. E se depois de nos havermos assim consagrado a Nossa Senhora desejarmos ajudar qualquer alma particular do purgatório, salvar qualquer pecado ou favorecer qualquer dos nossos amigos ou inimigos com orações, mortificações, esmolas, sacrifícios, primeiro é necessário pedir-lho a ela e submeter-nos completamente ao que ela dispõe, ainda que o não saibamos. E fiquemos tranquilos que o valor das nossas ações, administrado por aquelas mãos de que o próprio Deus Se serve para nos distribuir as Suas graças e dons, não correrá perigo e será seguramente aplicado segundo a maior glória de Deus!

Disse que esta devoção consiste em oferecer-se e consagrar-se a Maria na qualidade de escravo. Há três classes de escravidão. A primeira é a de natureza: bons e maus, todos somos servos de Deus nesta forma. A segunda é a forçada: são condenados a ela os demónios e os réprobos. A terceira é a voluntária de amor e é com esta precisamente que nos devemos consagrar a Deus por Maria, na maneira mais perfeita que uma criatura se possa consagrar ao seu Criador.

Notai, por outro lado, a grande diferença que há entre um escravo e um servo. Este exige uma remuneração pelos seus serviços, aquele não. O servo pode deixar quando quiser o patrão e serve-o unicamente por um certo período de tempo; o escravo, ao invés, entregando-se-lhe para sempre, não o pode deixar sem incorrer na injustiça. O simples servo nunca cede ao patrão o direito de vida ou de morte sobre a sua pessoa; pelo contrário, o escravo põe-se completamente nas suas mãos, de maneira que o patrão até o poderia fazer morrer sem temor de justiça. Imediatamente se compreende, porém, que uma semelhante forma de escravidão não se pode dar entre homem e homem, mas unicamente entre o homem e o seu Criador. E por isso não se encontram semelhantes escravos entres os cristãos, mas só entre os turcos e os pagãos.

Feliz, mil vezes feliz a alma que, depois de haver sacudido de si com o batismo a escravidão do demónio, se consagra inteiramente a Jesus por meio de Maria como escrava de amor!

 

EXCELÊNCIA DA SANTA ESCRAVIDÃO PROVENIENTE DO FAZER PASSAR PELA MEDITAÇÃO DE MARIA TODA A VIDA DA ALMA 

Ser-me-iam necessárias muitas luzes do alto para descrever perfeitamente a excelência desta devoção; mas roçarei somente como de voo alguns pontos.

  1. Consagrar-se desta maneira a Jesus por meio de Maria é imitar Deus Pai, que nos deu o Seu Filho exatamente por meio de Maria; é imitar Deus Filho, que veio a nós por Maria, e, «dando-nos o exemplo para nós fazer-mos como Ele fez», nos convida a ir a Ele pelo mesmo caminho por onde também quis passar, que é Maria Santíssima; é imitar o Espírito Santo, que não comunica as suas graças e dons senão por Maria: «Não é justo», pergunta São Bernardo, «que a graça volte ao seu autor pelo mesmo canal por onde nos foi transmitida?»

  2. Ir deste modo a Jesus por Maria redunda em honra do próprio Jesus Cristo, porque damos assim a compreender que nós somos indignos, por causa dos nossos pecados, de nos aproximarmos diretamente e sozinhos da sua infinita santidade e nos é necessário que a Sua Mãe Santíssima faça de nossa advogada e mediadora junto d´Ele, nosso mediador. Assim aproximamos-nos de Jesus como nosso irmão e mediador ao mesmo tempo, e humilhamo-nos diante d´Ele como diante do nosso Deus e juiz; numa palavra, praticamos a humildade, que é a virtude que cativa sempre o coração de Deus.

  3. Consagra-se a Jesus por Maria equivale a pôr nas mãos de Maria as nossas boas obras que, porquanto pareçam boas, muitas vezes são muito manchadas e indignas para que Deus, diante de Quem não são puras as estrelas, as olhe e aceite. Por isso nós pedimos à nossa boa Mãe e Senhora a fim de que, recebendo o nosso pobre dom, o purifique, o santifique, o acresça e o embeleze de maneira a tornar-se digno de Deus. Os méritos da nossa pobre alma diante do Pai de família que é Deus são ainda menos do que o que poderia representar aos olhos de um rei a fruta desprezível que um pobre colono apresentasse para pagar o seu aluguer. Mas o que é que faria este homem se fosse atilado ou gozasse ao mesmo tempo dos favores da rainha? Para mostrar a sua benevolência ao camponês e ao mesmo tempo o respeito ao rei, ela extrairia o que de defeituoso ou mau houvesse naquela fruta, pô-la-ia numa salva de ouro, circundando-a de flores. Assim, o rei aceitá-la-ia sem dificuldade, antes, com prazer das mãos da rainha, que quer bem aquele camponês.  Modicum quid offerre desideras? Manibus Mariae tradere cura, si non vis sustinere repulsam. Queres oferecer qualquer pequenina coisa? - pergunta São Bernardo. - Procura apresentá-la pelas mãos de Maria, se não queres receber uma recusa. Oh, Senhor, como tudo o que fazemos é pouco! Nós, porém, com esta devoção pomo-lo nas mãos de Maria. E uma vez que lhe tenhamos dado tudo, despojando-nos em sua honra de quanto podemos dispor, ela infinitamente mais generosa, por um ovo – como se diz – dar-nos-á um boi; ela dar-se-nos-á inteiramente com os seus méritos e virtudes; colocará os nossos dons na salva de ouro da sua caridade, e como fez Rebeca com Jacob, revestir-nos-á com os ricos e belos vestidos do seu primogénito e unigénito Jesus, ou seja, com os Seus méritos que estão à sua disposição. E assim, como escravos e criados seus, depois de nos havermos despojado de tudo em sua honra, teremos o dobro de vestes, ou seja, bens em profusão (domestici ejus vestiti sunt duplicibus), vestes, ornamentos, perfumes, méritos de Jesus e de Maria cumularão a alma do escravo de Jesus e de Maria, que se despojou de si mesmo e é fiel a esta sua nudez.

  4. Consagra-se assim à Santíssima Virgem equivale ainda a praticar no grau mais alto possível a caridade com o próximo, pois damos a Maria o que de mais precioso possuímos, para que disponha em favor dos vivos e defuntos.

  5. Com esta devoção põem-se no seguro as graças, os méritos e as virtudes fazendo depositária Maria e dizendo-lhe: «Toma, ó minha amada Senhora; eis aqui o que pude fazer de bem com a graça do teu querido Filho. Por causa da minha fraqueza e inconstância, pelo grande número dos inimigos, que dia e noite me perseguem, não sou capaz de o guardar. Ah, que todos os dias se veem precipitados no lodo os cedros do Líbano e ir acabar no meio dos pássaros noturnos as águias que sobem ás alturas do Sol! Vejo cair mil justos à minha esquerda e dez mil à minha direita; mas tu, minha poderosa e mais que poderosa Princesa, sustém-me para que não caia, guarda os meus bens para que não mos roubem. Em ti deponho como em depósito todos os meus bens; Depositum custodi: scio cui credidi. Sim, bem sei quem tu és, e por isso abandono-me a ti completamente. Tu és fiel a Deus e aos homens, e não hás-de permitir que se perca nada do que se te confia; és poderosa e ninguém poderá assaltar-te ou roubar-te das mãos o que tens em depósito. Ipsam sequens non devias; ipsam rogans, non desperas, ipsam cogitans, non erras; ipsa tenente, non corruis; ipsa protegente, non metuis; ipsa duce, non fatigaris; ipsa propitia, pervenis; e noutro lado: Detinet Filium, ne percutiat; detinet diabolum, ne noceat; detinet virtutes, ne fugiant; detinet merita, ne pereant; detinet gratiam ne effluat. São palavras de São Bernardo, que, no fundo, exprimem o que agora disse. E ainda que não houvesse outro motivo para me excitar a esta devoção, só ao pensar que é um meio seguro para conservar e aumentar em mim a graça de Deus, deveria sentir-me arder de entusiasmo por ela.»

Esta devoção torna a alma verdadeiramente livre com essa liberdade dos filhos de Deus. Desde o momento em que alguém se torne escravo por amor, esta amada Senhora em recompensa, dilata-lhe o coração e fá-lo caminhar a passos de gigante no caminho dos mandamentos de Deus. Afugenta o desgosto, a tristeza, o escrúpulo; de facto, o próprio Senhor ensinou esta devoção à madre Inês de Jesus, como meio seguro para sair das grandes penas e perplexidades em que se encontrava. «Faz-te escrava de minha Mãe», disse-lhe. Fê-lo, e como por encanto cessaram as suas penas.

Para conferir maior autoridade a esta devoção, conviria citar as bulas e indulgências dos sumos pontífices, os decretos dos bispos em seu favor, as confrarias fundadas em sua honra, o exemplo de muitos santos e grandes personagens que a praticaram. Mas tudo isso omito por brevidade.

 

PRÁTICAS INFERIORES DA SANTA ESCRAVIDÃO SEU ESPÍRITO E SEUS FRUTOS

Sobretudo disse que esta devoção consiste em fazer todas as coisas com Maria, em Maria, por meio de Maria e para Maria.

Não basta consagrar-se e entregar-se de uma vez para sempre como escravo de Maria, e não basta tão-pouco repeti-lo todos os meses ou todas as semanas. Seria uma devoção demasiado passageira, que não levaria a alma à perfeição a que se endereça se for bem praticada. Não é difícil inscrever-se numa confraria, nem abraçar esta devoção e recitar todos os dias algumas orações prescritas; o verdadeiramente difícil é entrar no seu verdadeiro espírito interior, que consiste em fazer de modo que a alma, no seu íntimo, dependa e seja escrava da Santíssima Virgem, e de Jesus por meio dela. Tenho encontrado muitas pessoas que exteriormente têm abraçado a santa escravidão, mas poucas que lhe tenham aprendido o verdadeiro espírito e menos ainda que tenham perseverado nele.

  1. A prática essencial desta devoção consiste em fazer todas as ações com Maria; ou seja, tomar a Virgem como perfeito modelo de tudo o que se tem para fazer.

  2. Para este fim, antes de mais nada, é preciso desprender-se de si próprio e das próprias perspetivas, humilhar-se diante de Deus, como seres incapazes de qualquer bem sobrenatural ou ação meritória para a vida eterna. É preciso recorrer a Nossa Senhora e unir-se às suas intenções, ainda que as desconheçamos; unir-se por meio de Maria ás intenções de Jesus, ou seja, entregar-se ás mãos da Virgem, para que ela aja em nós e faça de nós o que melhor lhe pareça, para a glória do seu Filho, e, mediante Jesus Cristo, para a glória do Eterno Pai: de maneira que não aja nenhum ato da vida interior nem operação da alma que não dependa dela.

  3. Fazer tudo em Maria, significa habituar-se a estar recolhidos para poder formar em si próprios um pequeno esboço ou retrato da Santíssima Virgem. Ela será para a alma como o pequeno oratório onde apresenta a Deus as suas orações segura de não ser repelida; será a Torre de David onde se põe ao seguro dos inimigos; a lâmpada acesa para projetar raios de luz até mesmo nas mais recônditas partes da alma e inflamá-la de amor de Deus; a sagrada cela para contemplar Deus nela e com ela: em suma, Maria será para a alma o recurso universal e o seu tudo. Se reza, rezará com Maria, se recebe Jesus na Sagrada Comunhão, confiá-lo-á a Maria, para que lá encontre as suas complacências. Qualquer coisa que faça, fá-la-á em Maria e em tudo fará atos de separação de si própria.

  4. Nunca recorrer a nosso Senhor Jesus Cristo senão por meio de Maria, pelo poder de intercessão e crédito que tem junto d´Ele, de maneira que O não encontremos nunca só quando lhe vamos pedir favores.

  5. Finalmente, é preciso fazer todas as ações para Maria; isto quer dizer que, como escravos declarados desta augusta Senhora, devemos trabalhar unicamente para ela, para a sua glória e interesse, como fim próximo, e para a glória de Deus, nosso fim último. Em tudo aquilo que a alma faz, deve renunciar ao amor próprio, que se infiltra por toda a parte, sem que nos demos conta; e repetir muitas vezes no âmago do próprio coração: é para vós, minha amada Senhora, que faço isto ou aquilo, que vou aqui ou acolá, que suporto tal pena ou injúria.

  6.  

TRÊS AVISOS IMPORTANTES 

Livra-te bem de crer, ó alma predestinada, que é mais perfeito ir diretamente a Jesus Cristo ou a Deus. A tua ação, a tua intenção têm bem pouco valor: indo, ao invés por Maria, a ação deixará de ser tua para ser de Maria que opera em ti, e por consequência será muito mais preciosa e digna de Deus. ;

Cuida bem de não te esforçares por sentir a todo o transe, prazer e gosto no que fazer ou dizer; toda a tua palavra ou ação seja antes cheia de fé viva que Maria teve sobre a Terra, e que ela não deixará de te conceder no momento oportuno. Tu, pobre escravo, deixa para a tua soberana a visão clara de Deus, os doces transportes, as alegrias, as riquezas e o gozo, e para ti não procures mais que a fé pura, cheia de desgosto, distrações, aborrecimento e aridez. Diz «Amen, assim seja» a tudo o que faz no Céu Maria, tua soberana, visto que por agora nada de melhor poderias fazer.

Não te aflijas nem te atormentes pelo facto de não poderes gozar imediatamente da doce presença de Nossa Senhora. Esta graça não é concedida a todos... e se quando Deus a concede, por Sua grande misericórdia, a alma não é fiel em recolher-se com muita frequência, perde-a com toda a facilidade. Se te sucedesse uma semelhante desgraça, volta-te docemente para Maria e confessa a tua culpa.

 

MARAVILHOSOS FRUTOS DA PRÁTICA INTERIOR DA SANTA ESCRAVIDÃO 

A experiência ensinar-te-á infinitamente mais do que as minhas palavras: e se fores fiel em praticar o pouco que te ensino, asseguro-te que encontrarás tanta graça e riqueza, que se te encherá de júbilo a alma e tu próprio ficarás surpreendido.

Portanto, trabalhemos muito, alma predileta, e façamos de maneira que por uma fiel prática desta devoção, a alma da Virgem fique unida a nós para nos alegrar em Deus seu salvador. São palavras de Santo Ambrósio: Sit in singulis anima Mariae ut magnificet Dominum, sit in singulis spiritus Mariae ut exultet in Deo. Não julgues que seria mais fácil viver-se no seio de Abraão, chamado paraíso, que no seio de Maria, onde até o Senhor se comprouve edificar o Seu trono. São palavras do sábio padre Guerico: Ne credideris majoris esse felicitatis habitare in sinu Abraha, qui vocabatur paradisus, quam in sina Mariae, in quo Dominus posuit thronum suum.

Esta devoção finalmente praticada, produz na alma uma infinidade de ótimos efeitos, mas o principal é que Maria vem a viver de tal maneira na alma, que já não é a alma que vive, mas é Maria que vive nela e que se torna, por assim dizer, a alma da própria alma. E que maravilha não opera Maria, quando por uma graça verdadeiramente inefável vem a ser a Rainha de uma alma? É a obreira das grandes maravilhas e trabalha sobretudo nos corações, e muitas vezes ás escondidas da própria alma, visto que se esta desse pela conta do que se operava nela, expor-se-ia ao perigo de perder, por causa da vaidade, esta sua beleza.

Maria é a «virgem fecunda» e em todas as almas em que vai viver faz germinar a pureza de coração e de corpo, a retidão das intenções e abundantes obras boas. Não creias, ó alma devota, que Maria, a mais fecunda das criaturas puras que chegou ao ponto de produzir um Deus, permaneça inativa numa alma fiel. Será mesmo ela que fará viver a alma incessantemente para Jesus Cristo, e fará viver Jesus na alma, Filioli mei, quos iterum parturio, donec formetur Christus in vobis (CL 19). Sim, como ao vir ao mundo Jesus quis ser fruto de Maria, assim o é igualmente, para cada alma; e naqueles em que Maria pode mais livremente habitar, vê-se melhor como Jesus é fruto e obra sua.

Em suma, depois de Jesus Cristo, Nossa Senhora é tudo para estas almas: ela aclarar-lhe-á o espírito com a sua humildade, inflamá-lo-á e queimá-lo-á com a sua caridade, purifica-o com a sua pureza, ela nobilita-o e alarga-o com a sua maternidade.

Mas onde vou parar com a pena? Não se podem penetrar estas maravilhas se antes se não experimentarem; são coisas que à pessoa enfunada de ciência e orgulho parecem incríveis, como puras aos devotos e devotas comuns.

 

A SANTA ESCRAVIDÃO NOS ÚLTIMOS TEMPOS 

Deus, tendo vindo ao mundo, da primeira vez na humildade e silêncio por meio de Maria, não se poderia afirmar que por meio dela virá também da segunda vez para reinar em todos, como ensina a Igreja, e para julgar os vivos e os mortos? Ninguém sabe como e quando virá; mas bem sei que Deus, cujos desígnios se elevam acima dos nossos, mais que o Céu da Terra, há de vir no tempo e do modo menos suspeitado pelos homens, inclusive os mais versados e competentes na Sagrada Escritura, a qual neste ponto se reveste de misteriosa obscuridade.

Contudo, eu creio também que nos últimos tempos, e talvez mais cedo do que se pense, Deus suscitará grandes homens cheios do Espírito Santo e do Espírito de Maria, por meio dos quais esta divina soberana operará grandes maravilhas sobre a Terra, para destruir o pecado e estabelecer no mundo corrompido o reino de Jesus Cristo seu Filho; é precisamente com esta devoção à Virgem que eu tenho procurado descobrir a passos largos, amesquinhando-a com a minha miséria, estes santos personagens hão-de conseguir tudo.

 

PRÁTICAS EXTERIORES DA SANTA ESCRAVIDÃO 

Além da prática interna, esta devoção tem também práticas externas que convém não desprezar nem descuidar.

A primeira consiste em oferecer-se num dia especial a Jesus Cristo pelas mãos de Maria, de quem nos tornamos escravos; para tal fim, comungar e passar o dia em oração. Depois é preciso renovar esta consagração ao menos uma vez por ano, no mesmo dia.

A segunda consiste em apresentar todos os anos, no mesmo dia, um pequeno tributo à Santíssima Virgem, em reconhecimento da própria sujeição e dependência, tal como costumam fazer os escravos com os seus patrões. Este tributo pode consistir em qualquer mortificação, esmola, peregrinação ou algumas orações especiais. O beato Marino, como nos deixou escrito São Pedro Damião, seu irmão, todos os anos nesse dia se disciplinava publicamente diante de um altar da Virgem. Eu não peço nem aconcelho semelhante fervor; mas dado que não é muito o que oferecemos a Maria, devemos ao menos oferecer-lho com humildade e gratidão.

A terceira é a de celebrar todos os anos com particular devoção a festa da Anunciação, que é com dizer a principal solenidade desta devoção escolhida para honrar e imitar a sujeição a que o Verbo Encarnado se entregou por nosso amor.

A quarta parte externa consiste em recitar todos os dias (porém sob nenhuma pena de pecado em caso de omissão) a Coroinha da Santíssima Virgem, formada de três Pai-Nossos e doze Avé-Marias; recitar frequentemente o Magnificat, que é o único canto que temos da Virgem para agradecer a Deus os Seus benefícios e atrair mais; especialmente convém dizê-lo como ação de graças depois da Sagrada Comunhão, como fazia a própria Virgem Santíssima segundo o juízo do pio Gersone.

A quinta é a de trazer uma correntezinha benzida ao pescoço, no braço, no pé e à cintura. Absolutamente falando, esta prática também se poderia omitir, sem qualquer dano na parte essencial desta devoção; porém, seria mau desprezá-la ou condená-la, e não sem prejuízo descuidá-la.

Eis algumas razões porque trazemos este sinal exterior:

1.º) Para nos livrar das funestas cadeias do pecado original ou atual que nos trouxe ligados. 

2.º) Para honrar as cordas e os liames amorosos com que Nosso Senhor se deixou prender para nos tornar verdadeiramente livres a nós. 

3.º) Como se trata de liames de caridade, traham eos in vinculis charitatis, servirão para nos lembrar que devemos agir sempre levados por esta virtude. 

4.º) Para nos recordar, enfim, a nossa dependência de Jesus e de Maria na qualidade de escravos, os quais costumam precisamente trazer correntes. Muitos homens célebres que se haviam tornado escravos de Jesus e de Maria sentiam-se honrados em trazer estas correntes e lamentavam não lhes ser permitido arrastá-las publicamente aos pés como os escravos dos turcos.

Ó correntes preciosas! Mais gloriosa que as coleções de ouro e pedras de todos os imperadores da Terra, pois nos ligais a Jesus Cristo e à Mãe Santíssima e nos servis de distintivo e divisa!

Convém que estas correntes, senão puderem ser de prata, sejam de ferro e feitas de maneira a puderem trazer-se comodamente.

 

CULTURA E DESENVOLVIMENTO DA ÁRVORE DA VIDA OU SEJA, MODO DE FAZER VIVER E REINAR MARIA EM NÓS 

Compreendestes, ó alma predestinada por meio do Espírito Santo, o que te disse até aqui? Então agradece ao Senhor, pois que se trata de um segredo quase completamente desconhecido no mundo. Se tu encontraste o tesouro escondido no campo de Maria, a pedra preciosa de que fala o Evangelho, agora deves vender tudo para o comprar, deves fazer o sacrifício completo de ti mesma entre as mãos de Maria e perder-te alegremente nela para somente lá encontrares Deus.

Se o Espírito Santo plantou no teu coração a verdadeira árvore da vida, que é a devoção que expliquei, põe todo o empenho em cultivá-la, para que a seu tempo dê fruto. Esta devoção é o grão de mostarda do Evangelho que, sendo embora o mais pequeno dos grãos, chega a ser muito grande, tanto assim que as aves do Céu, ou seja, os predestinados, vão fazer os ninhos entre os seus ramos, lá repousam durante os grandes calores e lá encontram refúgio contra as feras.

Eis aqui, ó alma predestinada, a maneira de a cultivares.

1.º) Uma vez plantada num coração fiel, esta árvore prefere estar exposta aos ventos, sem qualquer apoio humano. Sendo uma coisa divina, esta árvore não precisa de nenhuma criatura, que lhe poderia impedir estender os ramos para Deus, seu principio. Assim, também ninguém se deve apoiar na própria indústria e capacidade natural, nem no crédito e autoridade dos homens, mas deve recorrer unicamente a Maria e apoiar-se no seu auxílio.

2.º) A alma onde esta árvore tomou raízes, como um bom jardineiro, deve guardá-la continuamente porque ela, viva como é, e destinada a produzir frutos de vida, exige que se cultive e faça crescer sob o olhar ou contemplação da alma. Eis o encargo da alma que quer alcançar verdadeiramente a perfeição: que pense nele com frequência de maneira a ser esta a sua principal ocupação.

3.º) É preciso arrancar e aniquilar os espinhos e os cardos, que, crescendo, poderiam sufocar esta árvore e impedir-lhe dar fruto... e isto significa que é preciso estar sempre atentos em despedaçar e desprezar com a mortificação e a renúncia de si próprio, todos os prazeres inúteis e vãs ocupações com as criaturas; em outros termos: crucificar a carne, observar o silêncio e mortificar os sentidos.

4.º) Providenciar para que os bichos e os parasitas não danifiquem a árvore. Os parasitas que comem as folhas verdes e destroem toda a mais bela esperança de frutos são o amor próprio e o apego ás comodidades, pois amor próprio e amor à Virgem são duas coisas que jamais poderão conciliar.

5.º) Não aproximar dela os animais que são os pecados, que, ao seu contacto, poderiam condenar à morte a árvore da vida.

6.º) Regá-la com frequência, cumprindo com fervor os exercícios da piedade, confissões, comunhões e outras piedosa práticas públicas e privadas, sem as quais deixaria de dar frutos.

7.º) Não é preciso espantar-se se o vento a agita e sacode, porque é necessário que o vendaval das tentações tente arrancá-la, e os nevoeiros e gelos a circundem para a devastarem; quer dizer que esta devoção à Santíssima Virgem será inevitavelmente atacada e contradita, mas bastará ser perseverantes em cultivá-la para nada se recear.

Se tu cultivares assim a árvore da vida agora plantada em ti pelo Espírito Santo, eu asseguro-te, ó alma predestinada, que em pouco tempo crescerá tanto que as aves do Céu virão a povoá-la e alcançará um desenvolvimento tal que a seu tempo não deixará de dar o fruto da graça, ou seja, o amabilíssimo Jesus, que sempre foi e sempre será o único fruto de Maria.

Feliz da alma em que foi plantada a árvore da vida, Maria; mais feliz aquela em que pôde crescer e florir; felicíssima aquela em que pôde dar o seu fruto: mas feliz sobretudo aquela que goza deste fruto e o conserva até à morte e pelos séculos dos séculos. Amen!

Qui tenet, teneat

 

SÃO LUIS MARIA GRIGNION DE MONTFORT


Visto em: https://www.nadateespante.com/o-segredo-da-virgem-maria/


 

Leia também... O SEGREDO DA VIRGEM MARIA – 1ª Parte: O lugar que Maria desempenha na nossa santificação


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Sábado, 27 de Julho de 2024










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