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Uma resposta à “coronafobia” (Por Pe. Paulo Ricardo)

 

Ao lado da pandemia do coronavírus, identificamos alguns meses atrás algo a que demos o nome de “pandemia do medo”. Um autor católico norte-americano chamou o fenômeno de “coronafobia”. Em suas palavras: 

O coronavírus domina as notícias em todo o mundo, provocando uma histeria raramente vista em tempos modernos. Embora o vírus ainda tenha de mostrar sua fúria de forma plena, a reação a ela tornou-se louca. Dois espetáculos estão ocorrendo: o coronavírus e o medo do coronavírus, que pode ser chamado de “coronafobia”. Neste momento, o segundo é o mais destrutivo.

Não se trata de negar a importância de tomar as medidas razoáveis para conter esse mal. Trata-se, antes, de reconhecer que o mundo, quando se afasta da fé em Cristo, perde igualmente a razão. Sem pretender analisar a oportunidade desta ou daquela medida prudencial, adotada seja pelas autoridades civis, seja pelas eclesiásticas, para conter a atual pandemia, o que queremos é refletir sobre a resposta que os católicos ainda podem e devem dar a tudo o que está acontecendo. 

E por que os católicos, de modo especial? Porque, apesar de ser esta a “primeira pandemia da era digital”, por assim dizer, a Igreja Católica tem história tanto de resistência às pestes (assim se chamavam as epidemias) quanto de sobrevivência às eras. Passaram o Império Romano e Constantinopla, a peste negra e a gripe espanhola, mas a Igreja, fundada na promessa de seu divino Fundador de que não prevaleceriam contra ela as portas do inferno, permanece firme ao longo dos séculos.

E, no entanto, os templos fechados e as Missas públicas suspensas talvez tenham dado a muitos a impressão contrária. Em muitos lugares, infelizmente, somou-se a esses fatos uma teologia que parecia não dar importância aos sacramentos e acabava transformando a Igreja num item “não essencial”, um artigo de luxo dispensável em tempos de crise. Onde esteve a Igreja quando a humanidade mais parecia precisar dela?

Sem querer negar que, visivelmente, em muitíssimos lugares ao redor do globo, sacerdotes trabalharam duro para oferecer Deus às pessoas; leigos e instituições movidas pela caridade católica se sacrificaram para minimizar os efeitos trágicos desta pandemia e de sua consequente quarentena, também não há dúvida de que essa tem sido uma hora particularmente especial para fortalecer nossos laços com a Igreja invisível, que está principalmente no Céu; hora de buscar mais a unidade vertical que a horizontal; hora de receber com ainda mais força o influxo da graça divina, que vem do alto.

Ao contrário do que nos querem fazer crer os meios de comunicação, não, nós não vivemos uma situação “sem precedentes”. Para os católicos, nenhuma tragédia é absolutamente nova, pois sua Igreja nasceu não no conforto de um escritório ou de uma sala de estar, mas no rude desconforto da Cruz. 

No Japão, durante muitos séculos, os católicos precisaram manter a fé numa difícil realidade: sem os sacerdotes e os sacramentos que deles dependem, só o que lhes restou foi o sacramento do Batismo e as orações que os missionários lhes haviam ensinado. Foi com muita emoção que, gerações mais tarde, quando o país finalmente readmitiu a vinda de missionários cristãos, um grupo de católicos sobreviventes acolheu um sacerdote. As cenas iniciais do filme Silêncio, de Martin Scorsese, ilustram bem do que estamos falando: católicos sedentos pelo sacramento da Penitência e pelo perdão dos pecados, pela Santa Missa e pelo sacramento da Eucaristia. 

Esse desejo que os católicos japoneses nutriam pelos sacramentos nos ensina que não devemos acostumar jamais o nosso coração a ficar longe de nossas igrejas. Que elas estivessem fechadas até há poucos dias e que, sem culpa nossa, não as pudéssemos frequentar, era uma coisa; que transformemos isso agora no “novo normal” — palavras de ordem nesses dias de trevas — é outra bem diferente. Não podemos deixar que as atuais circunstâncias nos afundem espiritualmente, tornando-nos insensíveis às coisas de Deus.

O verdadeiro normal, a norma do cristão católico deve ser uma só, com ou sem coronavírus: ritmar a própria vida com trabalhos e descansos, mas todos tendo em vista a glória de Deus. Assim como Ele criou o mundo em seis dias e no sétimo descansou, a nós cabe dedicar em todos os dias um tempo para esse sadio repouso da alma que é a oração — e honrar de modo especial o dia do Senhor, que é o domingo, ou voltando à Missa, se for possível, ou aumentando nossa sede de Eucaristia, se ainda houver restrições ao nosso redor.

De fato, nesses dias em que a Igreja visível pareceu esconder-se de algum modo, quantos não redescobriram o poder da oração silenciosa, das preces feitas em família e do serviço a Deus nos trabalhos domésticos mais humildes? Em quantas casas a tragédia do coronavírus não moveu as consciências, não despertou as pessoas para o que há de essencial na vida, não freou o ritmo frenético e irrefletido com que tantos gastavam as próprias vidas? Quantos de nós não abrimos os olhos para a sede existencial que trazemos dentro no peito: a sede de uma água que só Deus nos pode conceder? Nada disso pode ser ignorado. 

No entanto, chegado o momento de retornar a nossas igrejas e retomar o culto público a Deus, algo precisa mudar no mais íntimo de nós. Para nossa reflexão pessoal, podem muito bem servir as seguintes palavras que a mística italiana Luisa Piccarreta atribui a Nosso Senhor, em revelação privada a ela, um século atrás:

Ah, minha filha! Quando permito que as igrejas fiquem desertas; os ministros, dispersos; e as Missas, reduzidas, significa que os sacrifícios se tornaram para mim ofensa; as orações, insultos; as adorações, irreverências; e as confissões, passatempos sem fruto. Assim, não encontrando mais a minha glória, mas ofensas, nem o bem deles, não me servindo mais, eu os retiro. Mas esse apartar os ministros do meu santuário significa, ainda, que as coisas chegaram ao fundo do poço e que a diversidade dos flagelos se multiplicará. Quanto é duro o homem, quanto é duro (Libro di Cielo, v. 12, 12 fev. 1918 [34])!

Ponhamos de lado, por um instante, nossa curiosidade com essa revelação e sua destinatária, e detenhamo-nos no conteúdo de sua mensagem. Não nos deveriam inquietar essas palavras? De fato, com que desprezo temos tratado os dons de Deus e com quais abusos temos celebrado os seus sacramentos?! Em quantos lugares as Missas se transformaram em verdadeiros festivais de sacrilégios que circundam o “sacrifício perfeito e santo” de Nosso Senhor? Sim, porque não basta que as Missas sejam rezadas validamente e Cristo seja oferecido no altar, se não procuramos conformar nossas vidas ao sacrifício que celebramos… Será que nos tornamos os homens externos do Antigo Testamento, os fariseus da época de Jesus, que honram a Deus só com os lábios, estando com o coração longe de sua santíssima vontade?

Por essas e muitas outras coisas, nossa principal preocupação nesses dias atípicos deve ser tornar-nos os católicos que até aqui nos recusamos a ser. Oxalá nosso “isolamento” do mundo, ao longo de todo esse ano, se converta, ao fim e ao cabo, num verdadeiro afastamento da mundanidade. Pois de nada nos terá adiantado isolar-nos fisicamente do mundo se continuarmos com o coração nele. De nada nos terá adiantado viver esses dias difíceis para combater um vírus, se não combatermos com muito mais força e cuidado o vírus da nossa inconformidade com a vontade de Deus. Pois o coronavírus tira a vida do corpo, mas o nosso pecado mata em nós a vida da graça.

Só trava essa batalha, porém, aquele que crê. A fé católica bem crida, a fé católica bem vivida, é a única vacina efetiva para o problema que temos enfrentado ao longo de todo esse ano. Ela é o antídoto do desespero, a injeção da esperança sobrenatural. 

Enquanto o mundo literalmente se esconde de medo da morte, os católicos cantam, desde a Páscoa: “Ó morte, onde está tua vitória?” (1Cor 15, 55). Enquanto o mundo, apavorado, foge do sofrimento, nossa fé nos ensina a abraçar com alegria seja qual for a cruz que nos advenha, pois os fios de nossa cabeça estão todos contados (cf. Lc 12, 7) e Deus vela por nós com afeto verdadeiramente paterno. Enquanto o mundo se pergunta aterrorizado que ano tem sido esse, os católicos sabem que o coronavírus é só o início das dores (cf. Mt 24, 8) e, ainda assim, são capazes de se alegrar, porque foi seu Senhor quem disse: “Quando começarem a acontecer essas coisas, reanimai-vos e levantai vossas cabeças, porque se aproxima a vossa libertação” (Lc 21, 28).

Humanamente falando, tudo parece estar indo por água abaixo. Por isso mesmo, é a hora da fé, da fé sobrenatural, hora de confiarmos nas promessas de Deus, e em nada mais. Eis a nossa resposta ao coronavírus, eis a nossa resposta à “coronafobia”.

 

Fonte:  https://padrepauloricardo.org/blog/uma-resposta-a-coronafobia

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Terça-feira, 19 de Março de 2024










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